terça-feira, dezembro 12, 2006

UMA LIÇÃO DE DESENHO

O meu filho coloca a sua caixa de pintura
à minha frente.
E pede-me que lhe desenhe um pássaro.
Mergulho o pincel na cor cinzenta
E traço um quadrado com fechaduras e grades.
Os seus olhos enchem-se de surpresa:
"... Mas isto é uma prisão, pai,
Não sabes desenhar um pássaro?"

E eu digo-lhe: "Filho, perdoa-me.
Esqueci-me da forma dos pássaros. "

O meu filho coloca o livro de desenhos à
Minha frente
E pede-me que desenhe uma espiga de trigo.
Pego num lápis
E desenho uma arma.

O meu filho desdenha da minha ignorância, perguntando,
"Pai, não sabes a diferença entre uma espiga de trigo e uma arma?"
Eu digo-lhe:
"Filho, uma vez usei
a forma da espiga de trigo
a forma do pão
a forma da rosa.
Mas nestes tempos duros
as árvores da floresta juntaram-se
aos homens da milícia
e a rosa veste uniformes escuros.
Neste tempo de espigas de trigo armadas
de pássaros armados
de cultura armada
e de religião armada
não se pode comprar pão
sem encontrar uma arma no interior
não se pode colher uma rosa do campo
sem que os seus espinhos nos arranhem o rosto
não se pode comprar um livro
que não vá explodir entre os nossos dedos. "
O meu filho senta-se à beira da minha cama
e pede-me que recite um poema.

Uma lágrima cai dos meus olhos para a almofada.
O meu filho apanha-a, surpreendido, di­zendo:
"Mas esta é uma lágrima, pai, não é um poema!"
E eu digo-lhe:
Quando cresceres, meu filho,
e aprenderes o ‘diwan’ da poesia árabe,
descobrirás que palavra e lágrima são gémeas,
e que o poema árabe
não é mais do que uma lágrima chorada por dedos que escrevem. "
O meu filho pega nos seus pincéis,
a caixa de pinturas à minha frente
e pede-me que lhe desenhe uma pátria.
O pincel treme nas minhas mãos
e eu afundo-me, chorando.

Nizzar Qabbani
Escritor sírio, considerado um dos maio­res poetas árabes.
Do amor e da política. Morreu em Londres onde vivia,
aos 75 anos, em Maio de 1998.

Pedro f.